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Como escolher uma lente

há 3 anos 10 meses

Uma dúvida frequente entre filmmakers iniciantes quando se inicia o planejamento de uma produção é que tipo de lente escolher para uma determinada cena.

A resposta pra essa dúvida gera alguns questionamentos, entre eles: quais as características de um modelo de lente em detrimento a outro, e que tipo de efeito cada uma delas estabelece na imagem? Será necessário uma lente de cinema ou uma lente fotográfica supre a minha necessidade?

Antes de mais nada, vale reforçar que quando falamos de lentes, na realidade nos referimos às objetivas, que nada mais são do que um conjunto óptico de lentes que projetam os raios de luz no sensor formando a imagem mais nítida possível.

Essa projeção gera alguns efeitos resultantes das características de construção de cada objetiva.

Neste artigo buscamos reunir alguns aspectos técnicos e criativos, comparando objetivas fotográficas e cinematográficas. Com base nessas características, fica mais fácil decidir qual o modelo mais adequado para a sua produção.

DISTÂNCIA FOCAL Refere-se ao ângulo de visão de uma objetiva, expressado em milímetros (14mm, 24mm, 50mm, etc). É o fator que define o grau de convergência, ou em outras palavras, qual o tamanho e a angulação da área que os raios de luz irão atravessar em direção a um ponto comum dentro de um sistema óptico. Seu nome é definido pela distância, em milímetros, do sensor da câmera até a objetiva quando o foco está regulado no infinito (representado por “∞”).

As objetivas são divididas em três grupos: grande-angular, normal e tele-objetiva.

Grande-angulares são normalmente utilizadas para mostrar uma área ampla, inserir o personagem em um ambiente, ou em casos mais extremos, quando o espaço é muito pequeno e enquadrar com uma objetiva de distância focal mais longa irá cortar o assunto. Entre as grande-angulares mais populares estão a 35mm, 24mm, 14mm, e a popularmente conhecida como olho de peixe (fish-eye) 8mm, que proporciona um ângulo de visão de 180º e resulta em imagens com grande distorção óptica, capaz de deixar um poste em forma de “c”. O importante é entender que quanto menor esse número, mais aberto é o ângulo de visão, porém maior também será a distorção nas bordas.

As objetivas do grupo Normal são muitas vezes representadas pela 50mm, podendo variar dependendo do sensor da câmera. Falando mais precisamente, a objetiva normal para uma determinada câmera é aquela em que a distância focal coincide com a diagonal do sensor. Por exemplo, para uma câmera cujo sensor mede 43mm na diagonal, as objetivas de distância focal entre 40mm e 55mm serão as normais para esse formato de câmera. Tudo que for menor que 40mm será considerado grande-angular, e acima de 55mm, tele-objetiva.

As tele-objetivas se caracterizam por fechar o ângulo de visão, e são ótimas para fotografar pessoas por não causar distorção nas bordas. Enquanto as grande-angulares reproduzem um campo de visão mais aberto, causando sensação de dilatação dos planos de uma imagem, as tele-objetivas comprimem esses planos, dando a impressão de achatamento das camadas de uma cena. Por isso, a escolha de uma objetiva ao invés de outra se deve muito mais à sensação espacial que se deseja para a cena do que pela distância física entre a câmera e o assunto, ou seja, é melhor se aproximar ou se distanciar da cena para atingir o objetivo, salvo em casos em que a distância mínima exige uma distância focal muito longa, como em eventos esportivos por exemplo.

PROFUNDIDADE DE CAMPO A profundidade de campo é o espaço de foco em uma imagem, influenciado tanto pela distância focal da objetiva quanto pela abertura do diafragma. Quanto mais aberto estiver o diafragma, em torno de f:2.8 por exemplo, menor é a profundidade de campo, ou seja, vemos mais desfoque na imagem. Em contrapartida, se o objetivo for manter todos os planos em foco, o diafragma deve estar mais fechado, acima de f:8.

Também quanto mais longa a distância focal, menos profundidade de campo essa objetiva vai gerar, até mesmo em aberturas menores, como f:5.6. Ou seja, em uma tele-objetiva 200mm vemos significantemente menos elementos em foco quando comparamos a mesma imagem feita com uma grande-angular 16mm.

MANUAL X ELETRÔNICA A principal diferença entre objetivas manuais e eletrônicas é que a primeira permite controlar o diafragma através de um anel similar ao anel de foco, diretamente no corpo da objetiva, enquanto que nas eletrônicas esse controle só é possível se alterado no corpo da câmera. Parece pouco, mas é um recurso que simplifica o ajuste da fotometria e, consequentemente, economiza tempo no set.

Outro fator que distingue uma da outra é que as eletrônicas tem a opção de fazer o ajuste de foco automático, bastando um click na câmera para alterar o ponto de foco. Além disso, alguns modelos também possuem estabilizador de imagem, que consiste em um sensor dentro da objetiva responsável por reduzir o desfoque associado ao movimento indesejado durante a exposição.

CINEMA X FOTOGRÁFICA Enquanto o fotógrafo congela o tempo em um único frame, o cineasta trabalha com imagens que se sobrepõem para formar uma ilusão de ação contínua, e essa diferença de necessidade por trás da câmera também reflete no design das objetivas.

A construção das objetivas de cinema difere do conjunto de lentes que compõem os modelos para still, e há uma grande preocupação por parte dos fabricantes de objetivas de cinema para que essas atendam às necessidades dos fotógrafos de formar uma imagem nítida, com boa qualidade de reprodução de cores, livre de aberração cromática, e ao mesmo tempo simplificada para facilitar o trabalho no set.

Nas objetivas de cinema, o anel do diafragma desliza livremente, permitindo que a entrada de luz seja alterada sutilmente durante a captação, enquanto que nas objetivas fotográficas que possuem anel de diafragma em seu corpo, a cada mudança de número “f” o anel faz um “click”.

O anel de foco de uma objetiva fotográfica geralmente faz um percurso curto, bastando um pequeno movimento para transitar entre o primeiro e o último plano da imagem. Nas objetivas de cinema esse anel precisa fazer um giro maior, o que facilita a transição suave de foco (rack focus) de uma camada pra outra dentro da imagem.

Quando o foco é alterado, os elementos ópticos internos da objetiva se deslocam para alterar a trajetória da luz e atender ao novo ponto focal. Nas objetivas fotográficas, o reposicionamento desses elementos internos causa uma ligeira sensação de mudança no ângulo de visão da objetiva, como se desse um leve zoom na imagem. Esse fenômeno é chamado de respiração da objetiva. No caso das objetivas projetadas para cinema, esse realinhamento interno dos elementos ópticos não interfere no aspecto da imagem.

A textura dos anéis de foco e de diafragma das objetivas de cinema também é confeccionada de forma que se possa acoplar um mecanismo de controle preciso de foco, o follow focus, que permite fazer marcações para transitar do ponto de foco A para o B, ou alterar a abertura do diafragma remotamente.

F-STOP X T-STOP Sempre que os raios de luz atravessam o cristal óptico de uma objetiva, uma boa parte dessa luz chega até o sensor, mas uma pequena parcela se perde. Muitos acreditam que uma objetiva 24mm e uma 75mm, ambas em f:2.8, deixam passar a mesma quantidade de luz para o sensor, porém a quantia de luz que se perde varia de uma objetiva para outra.

Isso acontece porque o cálculo do valor f-stop se baseia na distância focal da objetiva dividida pelo diâmetro do primeiro elemento óptico, porém não leva em consideração a variação da parcela de luz que se perde de uma objetiva para outra. Trata-se de uma fórmula aplicada de maneira geral em todas as objetivas calibradas em f-stop.

O mesmo não ocorre quando a escala de abertura do diafragma é calibrada em T-stop, cujo valor é calculado precisamente pela perda de luz que atravessa o conjunto de lentes. Em outras palavras, os valores T-stop representam a quantidade real de luz que chega até o sensor, permitindo exposições idênticas em diferentes objetivas quando ambas estiverem na mesma abertura (T:2.8, por exemplo), o que as torna muito mais confiáveis, justificando seu valor mais elevado e a necessidade de usá-las em produções cinematográficas, visto que em um filme, ao trocar de lentes, as características de exposição da imagem não podem se alterar para que não haja quebra de continuidade de luz.

FIXAS X ZOOM Em geral, as objetivas fixas são menores, mais leves, oferecem boa luminosidade e maior nitidez quando comparadas às lentes zoom. Isso porque sua construção é mais simples, com menos elementos ópticos para interferir no percurso da luz, perdendo apenas em versatilidade , sendo necessário se aproximar ou afastar do assunto para alterar o enquadramento.

Também encontramos excelentes modelos de objetivas de distância focal variável no mercado, popularmente conhecidas como lentes zoom. A grande vantagem das objetivas zoom é poder variar o enquadramento transitando entre grande-angular e tele-objetiva em uma única lente. No entanto, é preciso estar atento pois nos modelos de objetiva fotográfica, quando alteramos o zoom, a abertura do diafragma não se mantém. Uma 70-200mm com diafragma f:2.8-4 possui abertura máxima de 2.8 quando está em 70mm, mas em 200m só abre até f:4, o que a torna uma lente “escura”, inapropriada para fotografar situações de pouca luz. Já as objetivas zoom de cinema possuem a mesma abertura de diafragma em qualquer distância focal, mantendo a mesma quantidade de luz que passa pela lente em qualquer distância focal.

Outra vantagem das objetivas de cinema é que, ao movimentar o zoom, o foco se mantém no mesmo ponto, enquanto que nas objetivas fotográficas ele se perde quando a distância focal é alterada.

EFEITOS Uma particularidade bacana a se observar nas objetivas zoom são os efeitos visuais que elas possibilitam quando a distância focal é alterada durante a captação. Além de mudar nossa relação com o espaço, aproximando o plano de fundo à medida que nos aproximamos do primeiro plano quando passamos para uma distância focal mais fechada, o zoom também pode ser usado de forma conjugada com movimentos de câmera, contribuindo com a narrativa do filme.

Um exemplo clássico é o efeito Vertigo, também chamado de “Dolly Zoom” por usar esses dois recursos simultaneamente: a dolly, que é basicamente um tripé com rodas, inversamente ao zoom, ou seja, afastando a dolly da cena enquanto se faz o zoom in, ou aproximando a dolly ao mesmo tempo que se faz zoom out. Esse movimento causa uma distorção visual no plano de fundo, que gera uma sensação de vertigem, daí a origem do nome “Vertigo”, criado por Alfred Hitchcock em seu filme homônimo.

O canal Jesper Henriksen no youtube postou um vídeo com diversos exemplos de filmes para ilustrar esse efeito:

BOKEH É a característica do desfoque de uma objetiva perante pontos luminosos fora de foco. O estilo desse efeito é resultante do formato das lâminas do diafragma da lente, podendo ser redondo, octagonal, ou até em formato de estrela.

ABERRAÇÃO CROMÁTICA Trata-se de um defeito óptico resultado pela refração dos raios de luz ao atravessar o conjunto de lentes, que altera internamente a trajetória dessa luz e separa alguns comprimentos de onda dos outros, fazendo com que os diferentes comprimentos de onda sejam transmitidos em pontos focais diferentes, e causando o deslocamento de algumas cores nas bordas da imagem. É melhor percebida no desfoque, como linhas finas puxando para tons de verde, magenta ou ciano. Praticamente toda objetiva possui algum grau de aberração cromática, sendo mais evidente em grande-angulares.

FLARE Fenômeno de reflexão interior da objetiva causado pela luz que entra em direção à lente, criando um formato circular colorido na imagem, ou uma névoa quando a incidência de luz está mais indireta. Esse efeito é bastante associado ao nascer/pôr do sol, mas pode ser utilizado de forma criativa em infinitos contextos, podendo ser criado com luz artificial.

É importante ressaltar que ele também causa ruído na imagem, tornando-se muitas vezes indesejável, fazendo necessário o uso de um parassol ou matte box para barrar a incidência da luz na objetiva.

ESFÉRICA X ANAMÓRFICA As objetivas esféricas são o padrão, caracterizam-se por não causar distorção, formando a imagem tal como ela é, sem afetar sua proporção na tela.

As anamórficas, por sua vez, provocam propositalmente uma distorção vertical na imagem para ser corrigida esticando essa imagem horizontalmente durante a pós-produção, criando assim um aspecto mais comprido. Esse recurso foi inventado na época das gravações com película em formato 4:3 para que se pudesse filmar aproveitando toda a área do quadro do negativo e, posteriormente, esticar a imagem para que ela ficasse com a base mais larga.

No era digital essa técnica tornou-se desnecessária, porém as objetivas anamórficas geram alguns efeitos colaterais que ainda agradam muitos cinematógrafos. Entre eles, a profundidade de campo mais restrita - ao utilizar uma lente 100mm anamórfica, seu ângulo de visão na câmera equivale a uma 50mm, porém a profundidade de campo continua sendo a de uma 100mm (e como foi dito no tópico sobre profundidade de campo, as lentes tele-objetivas proporcionam maior desfoque). O formato do flare e o bokeh também são diferentes, deixando os pontos luminosos mais esticados ao invés de arredondados.

Quando esses efeitos estéticos, associados à uma nitidez mais suave, são desejados, as lentes anamórficas se encaixam bem em determinados projetos.

OUTRAS CARACTERÍSTICAS É preciso estar atento ainda a características como reprodução de cores e vinheta quando for escolher entre uma ou outra objetiva para compor o seu kit em uma produção. Isso porque ao fazer a transição de enquadramento em uma cena, utilizando como recurso a troca de objetivas, a imagem seguinte deve manter a consistência da anterior, pois qualquer alteração na aparência, como temperatura da imagem, ou um breve escurecimento nas bordas, quando percebido pelo espectador, rompe sua imersão na narrativa, enfraquecendo sua experiência ao despertá-lo da ilusão ao qual ele estava inserido.

As características das objetivas também podem ser alteradas através de filtros, e para isso existe uma infinidade de opções, desde filtros ND, que cortam a luminosidade em stops para não alterar a exposição, a filtros que suavizam a nitidez da imagem, geram um glow nas fontes de luz ou alteram seu formato.

CONCLUSÃO A escolha da objetiva deve estar em função das características da imagem que o fotógrafo deseja criar, e embora a faixa de preço possa variar enormemente de uma para outra, todas elas funcionam em algum determinado tipo de produção. Lentes de fotografia still também podem ser utilizadas em produções audiovisuais, o importante é o fotógrafo estar ciente das propriedades e limitações impostos por cada modelo de objetiva.

Autor(a) do artigo

Fernanda Simões
Fernanda Simões

Fotógrafa e Videomaker no AvMakers, Fernanda é graduada em Publicidade e Propaganda e pós-graduada em Comunicação Audiovisual pela PUC PR. Trabalha com produção audiovisual desde 2007, entre produções publicitárias, institucionais, EAD e Making Of para cinema, videoclipe e demais projetos audiovisuais. Isso tudo quando não está cuidando do Gael ou correndo atrás do Astolfo.

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