Cinema

Dicas da Pixar para um bom storytelling

há 4 anos 7 meses

Que todo mundo sabe que os filmes Pixar são um sucesso é algo um tanto repetitivo de se dizer.

Mas como eles conseguem “transformar em ouro” toda história que fazem não era algo tão conhecido, até que 2013, quando Stephan Vladimir Bugaj, um dos escritores que ficou 12 anos trabalhando no desenvolvimento de histórias para a empresa divulgou seu eBook Pixar’s 22 Rules of Story (22 regras de história da pixar, em tradução livre).

Desde a revelação desse “manual de histórias”, ficou nítido o padrão de qualidade que a gigante dos filmes em animação gráfica americana imprime como assinatura de suas histórias. Toy Story 4 (2019), um dos últimos lançamentos, cumpre boa parte delas na construção de uma narrativa que, em pouco tempo de lançamento, já é considerada muito bem sucedida — ainda que esteja numa franquia com mais de 20 anos de existência.

Das 22 regras que o autor expõe, destacamos cinco que podem ajudar e muito você a compor histórias que tenham um maior cuidado com o conteúdo e que você consiga também colocar um padrão de qualidade narrativa muito bom.

Regra 4

“Era uma/um_______. Todo dia,. Um dia,. Por conta disso,. Devido a isso,. Até que finalmente___________.”

Esse é um dos princípios do roteiro, o storyline, que no caso da Pixar, tem um formato muito próprio. Ele é um resumo supercondensado do que vai ser a história.

E note que ele cumpre a Jornada do Herói em pouquíssimas frases: introdução do herói, descrição da sua rotina antes da chamada à aventura, a própria chamada à aventura e o cruzar do limiar. O “por conta disso” traz a consequência, e as dificuldades no caminho que “Devido a isso” evidencia dentro do modelo proposto. Isso tudo fechado pelo “Até que finalmente”, indicando a mudança e cumprimento do desafio da personagem.

A gente tem um post falando só sobre storyline aqui. Confere lá ;)

Regra 13

“Dê às suas personagens opiniões. Passíveis/Maleáveis podem até ser mais fáceis para você escrever, mas elas podem ser um pouco tóxicas para o público”.

Um dos principais pilares de uma história é o seu conflito. Se você não tem um conflito, você não tem uma história — e aqui conflito no sentido mais de “uma situação que precisa ser resolvida”.

James B. Sullivan difere muito de Mike Wazowski: enquanto um é mais calmo e mais carinhoso, outro é mais explosivo e menos afetuso. A diferença entre as reações e interações das duas personagens na franquia de Monstros S.A. cria humor, além de definir os passos da história.

O ponto é que quando você dá opiniões diferentes a personagens que são diferentes você move elas em direção a situações. Você faz com que elas gerem o conflito que, por vezes, é aquilo que a sua história precisa.

O conflito entre as personagens é o que normalmente envolve seus arcos dramáticos de maneira que, a fim de superarem a situação imposta, elas precisem mudar, o que cumpre a jornada do herói — consegue ver como as peças se encaixam?

Regra 6

“No que sua personagem é boa? Com que está confortável? Coloque-as na situação oposta. Desafie-as. Como elas vão lidar?”

Ainda que essa regra se pareça com a regra 13 acima, elas se diferem um pouco no sentido em que elas são postas.

Quando se fala em colocar a personagem em uma situação oposta, não se está considerando somente lidar com outras personagens diferentes da primeira, mas também de colocá-la em uma situação que ela desconhece e que realmente realce a noção do desafio da personagem.

Em Procurando Nemo (2003), Marlin é colocado em alto-mar, uma situação que, por mais que nos pareça normal, é um desafio completo para a personagem, que é acostumada a viver na segurança dos corais e das anêmonas. A contraposição entre onde ele vivia e o que fazia lá com o local que ele passa a viver e o que ele encontra para fazer lá é o exemplo mais claro do desafio da personagem.

Essa é outra forma de reforçar o conflito que vai mover sua história dentro da jornada do herói—movimento que é muito importante dentro da construção do ritmo da sua história.

Regra 19

“Coincidências que levem as personagens a problemas são ótimas; coincidências que as tirem deles são trapaça.”

Quando se desenvolve uma história, é sempre importante lembrar que coincidências como fator de solução de problema fazem com que a personagem “não aprenda” a lição que a história propõe.

Como roteirista ou quem desenvolve a história, você deve lembrar que o arco da personagem está ali para mostrar justamente uma passagem na qual a personagem entra de uma maneira, passa por dificuldades que parecem impossíveis, mas que fazem com que ela cresça e aprenda algo que é seu tesouro ao fim da história.

Em Carros (2006), Relâmpago McQueen acidentalmente para em Radiator Springs ao tentar reencontrar seu caminhão de carga Mack. Sua jornada de descobrimento e de como ele fará para voltar para as pistas e vencer a Copa Pistão começa com essa coincidência, mas não termina nela e nem de maneira acidental.

Assim, pense em formas criativas de tirar suas personagens dos problemas que ela enfrenta. Principalmente, pense em formas a partir das quais ela pode resolver os problemas e aprender com eles: o herói que é salvo porque uma pedra entrou no trilho do trem desgovernado pode não ser a melhor solução…

Regra 3

“Tentar encontrar o tema da sua história é importante, mas a verdade é que você não vai enxergar até que esteja no fim dela. Agora reescreva.”

Ainda que o tema seja uma coisa incrivelmente importante dentro da sua história, tentar captá-lo logo de início pode ser algo bastante contraprodutivo.

Dizer o que é a sua história e como ela se conecta com o seu público é uma tarefa que exige muito da sua escrita e da sua percepção da narrativa que está desenvolvendo. Então se permita explorar um pouco daquilo que está escrevendo, fazendo com que a história tenha altos e baixos das situações e personagens, de seus desejos, necessidades até que tudo flua com muita naturalidade.

Up: Altas Aventuras (2009) é a síntese dessa ideia: todo o filme é passado como a jornada de um idoso, Sr. Fredericksen, para realizar seu sonho de construir uma casa no Paraíso das Cachoeiras em nome de sua falecida esposa. A mensagem inicial, de superação e obstinação dele é completada (SPOILERS) pela lição que Ellie, a esposa de Fredericksen. Ele percebe que a maior aventura que a esposa queria ter tido na vida já havia sido concluída: ter uma vida com ele e não a construção da casa.

Mais do que se contar uma história, escrever e desenvolver fala muito sobre estabelecer uma conexão com seu público, e isso não se dá de maneira forçosa, partindo de algo pré-definido. É mais fácil deixar que a história corra naturalmente: muitas vezes elas nos levam a lugares ainda melhores que a gente imagina.

Esteja certo que pensar aquilo que você quer contar sob essas regrinhas pode te ajudar a escrever histórias incríveis. Mais do que regrinhas, elas são guias para uma escrita e composição muito mais criativa.

Autor(a) do artigo

João Leite
João Leite

Escritor e redator, formado em Rádio e Televisão pelo Complexo FIAM-FAAM, apaixonado por literatura e observador míope do espaço sideral.

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